O estudo examina mais de 200 intervenções realizadas pela Meta, Google e outras plataformas, implementadas em sete anos e 27 países. Iniciativas para conter a desinformação em vários países parecem ser estereotipadas e presas em um ciclo ineficaz de repetição constante

(NAIRÓBI, QUÊNIA | 27 DE FEVEREIRO DE 2024) — Em meio a um número histórico de eleições em todo o mundo em 2024, as políticas inadequadas das plataformas online no Sul Global estão pesando fortemente sobre democracias frágeis, de acordo com uma série de pesquisas relacionadas a eleições publicadas hoje pela equipe de Pesquisa e Investigações de Código Aberto da Mozilla.

Um dos relatórios que a equipe está lançando, Platforms, Promises and Politics: A Reality Check on the Pledges Platforms Make before Elections’, de Odanga Madung, examina as políticas eleitorais anunciadas pela Meta, TikTok, YouTube e X em várias regiões — e revela padrões preocupantes sobre o que, onde e por que essas iniciativas são implantadas.

Além disso, a Mozilla está publicando um "Manual de Eleições Globais", com três estudos de caso sobre eleições na Índia (2019), Brasil (2022) e Libéria (2023), explorando a luta das plataformas no desenvolvimento de políticas e intervenções significativas em torno das eleições com ambientes de informação complexos, idiomas e contextos culturais. Um traço comum extraído desses estudos de caso é que as plataformas estão consistentemente despreparadas e com poucos recursos para salvaguardar as eleições em toda a predominância global. Além disso, aplicativos de mensagens como WhatsApp e Telegram desempenham um papel crucial na superalimentação da desinformação eleitoral, mas a operação da plataforma é atendida por uma supervisão limitada. O livro de casos será expandido para incluir as eleições de outros países no próximo ano.

O relatório de Madung ilustra vividamente as estratégias desiguais das plataformas quando se trata de políticas eleitorais. A pesquisa analisa mais de 200 anúncios de compromisso de plataforma de 2016 - 2023 e em 27 países — e descobre que a maior parte dessas intervenções ocorreu exclusivamente nos EUA ou na Europa. Essas intervenções representam pelo menos 62% do total de 197 intervenções específicas da geografia. Para o estudo, Madung analisou políticas que vão desde proibições e moratórias de publicidade, parcerias de verificação de fatos e programas de alfabetização digital até compromissos de moderação de conteúdo.

De acordo com o relatório, as três principais plataformas de intervenção eleitoral anunciadas foram: 1) programas de alfabetização digital (23 países), 2) iniciativas de verificação de fatos (21 países) e 3) atualizações de políticas de moderação de conteúdo (21 países). Embora as intervenções nos EUA e na Europa tenham se concentrado principalmente em publicidade política, as políticas em toda a predominância global têm sido voltadas para estratégias de moderação de conteúdo, que foram abaladas por demissões em massa de equipes de confiança e segurança e más condições de trabalho para moderadores de conteúdo. Madung observou que a maioria dos anúncios públicos sobre intervenções de moderação de conteúdo foi publicada pela Meta, seguida de perto pelo TikTok.

As plataformas de mídia social têm desempenhado um papel descomunal na amplificação da desinformação, muitas vezes com consequências devastadoras nos países do hemisfério sul, desde incitar violência em Tigray, Etiópia, até causar tumulto político no Brasil. Agora, à medida que o conteúdo gerado por IA se multiplica online, também está encontrando seu caminho em nossas democracias. As deepfakes geradas por IA parecem estar influenciando ideologias políticas e encantando eleitores, ao mesmo tempo em que corroem a confiança nas instituições de votação.

Enquanto isso, à medida que as plataformas se aproximam para conter a ameaça deepfake da IA, as mudanças políticas sistêmicas mal estão alcançando os países da predominância global. A pesquisa descobriu que a maioria das plataformas provavelmente tomará medidas nos países da predominância global se essas eleições se alinharem com os EUA, o que abre caminho para que vulnerabilidades sejam exploradas.

Odanga Madung diz: “É uma farsa gritante que as plataformas favoreçam descaradamente os EUA e a Europa com excessivos mimos e proteções políticas, enquanto negligenciam sistematicamente a integridade eleitoral das nações da predominância global. Essa alocação distorcida de recursos não é acidental, mas uma exibição descarada de táticas egoístas, destacando uma indiferença repreensível à estabilidade democrática global em favor de regiões onde seus resultados podem ser ameaçados pela reação regulatória.”

Essa alocação distorcida de recursos não é acidental, mas uma exibição descarada de táticas egoístas, destacando uma indiferença repreensível à estabilidade democrática global em favor de regiões onde seus resultados podem ser ameaçados pela reação regulatória

Odanga Madung

Outras Descobertas

  • Abordagem ineficaz de modelo único: Madung observou que as intervenções relacionadas às eleições no Quênia, Nigéria e Etiópia tinham semelhanças profundas, como se fossem copiadas de um modelo, apesar de cada um desses países africanos ter contextos sociopolíticos únicos. Devastadoramente, essa prática parece ser comum. Pesquisadores brasileiros também observaram uma abordagem descuidada de “copiar e colar” entre as políticas do TikTok anunciadas nos EUA e as do Brasil, antes das eleições brasileiras de 2022. A cópia traduzida da política era tão ruim, que até incluía a votação por correspondência, que não existe no Brasil. O desleixo das plataformas na implementação de políticas eficazes marca o auge do desrespeito pela democracia nos países da predominância global, observa o relatório.

uma captura de tela das estratégias eleitorais da Meta no Quênia, Nigéria e Etiópia
Figura 1. Uma captura de tela do anúncio da eleição da Meta no Quênia, Nigéria e Etiópia

  • Desordem política e WhatsApp: o WhatsApp tem uma grande base de usuários em países como Nigéria, Brasil, Índia e em outros lugares da predominância global, onde bilhões de pessoas dependem da plataforma para se comunicar. Apesar do papel crucial do WhatsApp no ecossistema de informações, a Meta não atualizou suas políticas para refletir o crescimento exponencial do aplicativo, que evoluiu de uma ferramenta de mensagens privadas para uma ferramenta de transmissão semelhante a uma rede social pública. O relatório revela a facilidade com que a propaganda e outras formas de desinformação podem ser distribuídas via WhatsApp. No estudo de caso da Índia das eleições de 2019, o pesquisador Divij Joshi observa que os partidos políticos compraram informações pessoais dos eleitores de corretores de dados e criaram grupos de WhatsApp com base em "segmentos de público" para direcionar ativamente esses grupos com as mensagens mais atraentes. "A propaganda eleitoral tornou-se profissionalizada", argumenta Joshi. No contexto brasileiro das eleições de 2022, as pesquisadoras Lorena Regattieri e Débora Salles ecoam o papel do WhatsApp e do Telegram na desinformação, nas teorias da conspiração e na ampliação de fontes de notícias de baixa qualidade.

  • As iniciativas de verificação de fatos nem sempre correspondem aos contextos locais.
    As intervenções eleitorais nos países da predominância global tendem a ser limitadas em contextos onde o inglês não é falado, afetando significativamente as iniciativas de verificação de fatos. Isso foi particularmente prejudicial nas eleições liberianas de 2023, conforme observado pelos pesquisadores de estudos de caso Eric Mugendi e Rabiu Alhassan. Os pesquisadores argumentam que a dependência da Meta em verificadores de fatos fora do país falhou em fornecer perspectivas locais, impactando a qualidade das informações relacionadas às eleições na plataforma.

  • Ausência de transparência nos recursos por trás das intervenções eleitorais. Madung observou que apenas um punhado de anúncios apresentava investimentos monetários para esses compromissos e, mesmo nesses poucos casos, não estava claro quais iniciativas recebiam esses investimentos.

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